Hoje, normalmente, deveria aproveitar este espaço - generoso e tão democrático quanto é possível sê-lo - para falar das minhas frustrações, das minhas angústias, das minhas tristezas. Hoje, seria dia para lamber as feridas no silêncio de um quarto à meia-luz, com música ambiental, uma ária de Verdi ou As Quatro Estações, de Antonio Vivaldi (sempre uma opção que se ajusta às minhas necessidades existenciais ou de reflexão sobre a vida). Mas, convenhamos, minhas tristezas não podem se sobrepor às alegrias alheias. Aliás, forjei meu caráter em tempos árduos de ausência de liberdade, de cerceamento do sagrado direito de ter e expressar opiniões, de censura, de falso moralismo, de coações de toda ordem e nunca permiti que quaisquer sentimentos negativos sobrepujassem a possibilidade de sorrir.
E lutei, como podia lutar um garoto como eu, que - além de amar os Beatles e os Rolling Stones - sonhava com um futuro de paz, de entendimento e de construção da justiça social, na pátria e no planeta. Isso, é evidente, implica necessidade de conversar, de dialogar, de expressar livremente opiniões, sem receio de qualquer tipo de coerção ou constrangimento. Portanto, se eram esses os meus sonhos e de alguma forma deles não abri mão, se não por mim mesmo, pelos meus filhos e pelos meus netos e pelos filhos e netos dos que virão depois deles, não posso agora entregar-me à desesperança nem desistir de quaisquer dos sonhos que alimentaram minha caminhada até aqui.
De resto, sempre me considerei um otimista e não serei eu próprio quem haverá de vestir a mortalha esfarrapada dos sonhos desfeitos no amanhã que ainda pretendo viver. Enquanto não perdermos a capacidade de nos indignarmos com as injustiças ainda seremos capazes de sonhar, de ter esperanças e de ter fé no futuro. Não haverá de ser a possibilidade de mergulho na escuridão que nos afastará da luz que, sabemos, um dia, adiante, iluminará nossos múltiplos e coletivos caminhos. Por isso, por esse meu jeito meio esquisito de pensar e de ser, é que, desde sempre, me relaciono bem com as pessoas, independentemente de suas condições sociais e econômicas, de suas posturas político-ideológicas ou de possuírem antagônicas visões de mundo.
Longe de me pretender absoluto senhor da verdade, mas sem me apartar das minhas convicções e sem perder a perspectiva da história é que me refaço e me retempero nos tortuosos caminhos da vida. A propósito, dia desses, Athos Miralha da Cunha, em um post no grupo de WhatsApp da Turma do Café (que, modéstia às favas, faz, à margem de qualquer entidade formalmente organizada, boa literatura em Santa Maria), lembrou de uma frase de Terêncio (teatrólogo e poeta romano nascido em Cartago e vendido como escravo a um senador de Roma, Terêncio Lucano, que o educou e, posteriormente, o alforriou), que diz o seguinte: "Sou humano, nada do que é humano me é estranho." Assim, e me valho de slogan publicitário de um conceituado uísque escocês, keep walking